terça-feira, 9 de junho de 2009

Um Grito de Liberdade


Um Grito de Liberdade (Cry Freedom), de 1987 e dirigido por Richard Attenborough, trata de um momento na vida de Donald Woods (Kevin Kline), um jornalista Sul Africano, que conhece e se torna amigo de Steve Biko (Denzel Washington), feroz ativista político antiapartheid. Baseado em dois livros-reportagem escritos por Woods, Biko (Ed. Best Seller) e Asking for Trouble (sem lançamento no Brasil), o filme é um retrato de eventos que aconteceram na África do Sul no fim da década de 70. Apesar de não ter sua exibição proibida na África do Sul, cinemas que o fizessem sofriam ameaças de bombas.

Steve Biko incomodou muita gente e sua morte foi um alívio para muitos na África do Sul. Ele era o presidente do Movimento Consciência Negra, o qual buscava o fim do “monopólio branco” sobre o que era verdade na história da África do Sul. Carismático, Biko era um líder nato. Seus discursos e idéias eram muito perigosos para o governo sul-africano. Tanto que em 1973 ele foi “banido”, ou seja, não podia se comunicar com mais de uma pessoa por vez, impossibilitando-o de discursar para grandes platéias. Apesar do “banimento”, Biko continuava pregando suas idéias para o público de maneira ilegal. Mas, em agosto de 1977, o ativista foi preso por descumprimento da lei e, em cárcere, sofreu tortura e faleceu em setembro do mesmo ano. A versão do governo era que ele havia feito greve de fome.

Donald Woods era apenas o editor do Daily Dispatch e um liberal que não se incomodava com o apartheid. No início do filme Woods critica as ações de Biko, acreditando que elas eram extremadas e que não diminuíam as crises recorrentes entre o governo e a população negra do país. É interessante notar a mudança por que passa Donald Woods. De grande apatia, após conhecer pessoalmente Biko e entender suas idéias, ele passa a ser um ativista anti apartheid e por conta disto, assim como Biko, sua vida acaba em risco. O jornalista que antes criticava Biko usa, em seguida de seu encontro com ele, os mesmos editoriais para criticar o governo.

Apesar de ter sido considerado subversivo, as idéias de Biko eram de igualdade entre brancos e negros. Em muitas cenas do filme ele demonstra como todos poderiam viver em igualdade. Ao contrário do que a palavra “ativista” remete, Biko era um pacifista, assim como Ghandi – personagem histórico o qual o mesmo diretor havia retratado em 1982. Ele ia contra a violência e queria igualdade através dos mesmos instrumentos que os reprimiam. Woods o considerava racista por conta de suas declarações contra os brancos, mas, como vemos durante o filme, ele é contra o racismo e não contra qual seja a cor que o oprimisse. Também não desejava que os negros fossem a classe dominante, mas sim que brancos e negros pudessem viver no mesmo país de forma igual.

Em uma das cenas mais memoráveis do filme, Biko está na corte discutindo com o juiz e então este mesmo diz “Porque vocês se chamam de negros? Vocês são mais marrons do que negros”. Biko era um homem de inteligência, sincero e sereno, e sua resposta resume seu caráter e papel de líder: “Porque vocês se chamam de brancos? Vocês são mais rosa do que brancos”.

Um acontecimento principal para o filme é o massacre ocorrido em Soweto, distrito de Johanesburgo, maior cidade da África do Sul, no dia 16 de Junho de 1976. Um protesto envolvendo estudantes negros que gostariam de que o inglês fosse ensinado nas escolas ao invés do africâner. Para eles o africâner era a “língua do opressor”. Para um negro freqüentar a escola era preciso pagar, enquanto um branco obtinha estudo de forma gratuita. Ao meio da passeata, até então pacifica, o governo impediu seu término, que seria em um estádio próximo. O exército atirou bombas de gás nos manifestantes. Os jovens revidaram com pedras. Já o exército tinha armas e matou entre 200 a 600 pessoas. Os números do governo na época era de 23 estudantes mortos. O Movimento Consciência Negra apoiou esse levante.

O filme retrata pouco do jornalismo, mas, assim como Todos os Homens do Presidente, é fielmente traduzida para o cinema. A ousadia de Woods ao fotografar Biko no necrotério é interessante, pois demonstra o ímpeto necessário para ter o “furo”, ou nesse caso mostrar a verdade que o governo quer esconder. Se em Todos os Homens do Presidente o caso é a corrupção do governo Nixon, aqui temos a luta de um jornalista para dizer a verdade sobre um outro tipo de corrupção – no caso a polícia e suas maneiras de repressão.

Nele também são visíveis as ações do governo com todos aqueles os quais eram perigosos de algum modo e eram “banidos”. É o que aconteceu com Woods após a morte de Biko, restringindo-o de seu trabalho. Durante o banimento, ilegalmente, Woods escreveu o livro Biko e, para poder publicá-lo, fugiu com a família do país, pedindo exílio ao governo inglês. Após sair do país, Woods continuou sua luta para o fim do apartheid e para manter a lembrança de Biko viva.

Há grandes similaridades com Ghandi, outro filme de Richard Attenborough. Biko e Mahatma Ghandi foram grandes ativistas políticos no mesmo país. Os dois lutavam por direitos das minorias e tinham grande carisma perante o público, com suas idéias se tornaram heróis. Só que Biko não tem o mesmo status de Ghandi, e o mesmo se refletiu nos filmes. Denzel Washington conseguiu ser indicado ao Oscar de ator coadjuvante, sendo que Ghandi ganhou o premio máximo do cinema.

Uma das críticas a Um Grito de Liberdade foi o fato do protagonista ser o jornalista ao invés de dar mais participação para o ativista. Acredita-se que o público, caso Biko fosse o protagonista, seria outro. Para a época de seu lançamento, que foi 10 anos após a sua morte e com o apartheid ainda em vigor na África do Sul, talvez tenha sido prudente manter Woods como o personagem central da trama. Ainda assim o filme se manteve como um retrato do apartheid e seu implacável terror com os negros. Um dos pontos negativos importante de ser ressaltado é sua duração de aproximadamente 160 minutos, o que deixa o filme um pouco arrastado em alguns pontos. Também podemos dizer que o filme é dividido em duas partes, talvez propositalmente. Uma Biko é a peça principal, na segunda os ataques à família de Donald Woods são a constante.



Escrevi este artigo para uma matéria da faculdade. Não acredito que seja um dos meus melhores, mas todo mundo sabe que eu escreveria bem melhor se fosse sobre a música Biko do Peter Gabriel. Quem sabe no próximo post!